Já está? Agora imaginem uma corrida de motos mesmo no meio.É uma das maiores romarias do Norte do país, a da Senhora da Aparecida. Multidões chegam de perto e longe ao concelho de Lousada neste dia 15 de Agosto, um dia religioso. As festividades já vão longas; procissões, corrida de cavalos, ranchos folclóricos, bandas filarmónicas, fogo de artifício. E uma Grande Prova de Velocidade, nas categorias de 50 e 80 cc. POis conta a lenda que as provas de motociclismo nesta terra já se fazem há para cima de 40 anos, na altura realizadas em terra batida, estas provas de feira, como eram chamadas. O piso actual é um muito mais evoluído paralelo, mas aí terminam as mudanças.
A rua principal encontra-se ladeada por duas muralhas contínuas de barracas a venderem roupa, sapatos, refrescos, pipocas e algodão doce, carregadores de telemóvel, brinquedos chineses e DVDs pirateados. Um pouco ao lado encontram-se os carrocéis e carrinhos de choque, e as tendas de restauração sentada. Os velhotes envergam a sua roupa de Domingo antiquada, e os adolescentes copiam o estilo do Cristiano Ronaldo e da Christina Aguilera. Todos estão na rua a disfrutar a animação.
Numa rua transversal, uma mão cheia de personagens desajustadas do cenário descarrega motas de carrinhas.
A multidão fica ansiosa e os agentes da guarda começam a movimentar-se. Todos se comprimem em cima dos passeios, com cuidado para não pisar os DVDs pirateados que continuam a ser transaccionados. Uma frota irregular de motorizadas alinha-se na rua esvaziada e a multidão, como uma entidade única e vibrante, não descola os olhos destes cavaleiros de tempos modernos.
Partida! Mil queixos esticam-se e giram em sincronia perfeita. A massa colorida de pilotos e máquinas sobe a rua principal, com todos os seus movimentos analisados por mil especialistas. Chicane em frente ao santuário, onde repousa o andor de 20 metros de altura que é transportado às costas de setenta homens fortes. Pelo meio da povoação, descida rápida pela rua adjacente, sempre em paralelo, sempre entre dois muros humanos sólidos.
Os pequenos motores são esforçados ao máximo berrando numa sinfonia concertada que ecoa pela encosta, e a cobre como um manto pesado que procura asfixiar os pilotos responsáveis pela dor, e o público que a ela assiste fascinado.
As vetustas Sachs, Zundapp e afins distinguem-se facilmente das suas competidoras com carenagens ultra modernas, mesmo quando desfiguradas pela velocidade. Gancho à direita, passagem em frente à carrinha de caixa aberta que alberga a Diracção de Prova, e nova subida para dar mais outra volta à pista e à definição do surreal.
O único dispositivo de segurança a impedir um piloto de mergulhar nos espectadores em quarta a fundo é a proximidade da igreja, e a protecção divina que daí advém. Supreendentemente, até funciona bem.
Alguns teóricos ficarão descontentes com tais disposições de segurança, mas eu proponho que estas Corridas sejam declaradas Monumento Nacional para que ninguém as modifique. Quando tal se verificar, gerar-se-ão grandes benefícios para a região provenientes dos muitos turistas estrangeiros empenhados em assistir a um espetáculo único em todo o mundo civilizado. Vivam as corridas! "
Texto da autoria de Hugo "Bob" Cardoso retirado da Motojornal n.º 1084.
Na minha opinião, devido a este texto, a reportagem efectuada pelo autor às corridas da Sr.ª da Aparecida, que se realizam todos os anos no dia 15 de Agosto em Lousada na freguesia de Torno, é uma das melhores reportagens dos últimos anos da Motojornal, não só porque rompe com o que a revista nos habituou em matéria de reportagens, mas também pela riqueza das descrições e pormenores que o autor consegue transmitir com as suas palavras. Ao ler este texto, fácilmente somos transportados para as ruas ondem decorrem as corridas, o ambiente, as pessoas, as máquinas, tudo está lá, só falta mesmo o barulho e o cheiro a 2T de competição...
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